Austeridade e mariconeras: uma investigação – Ricardo Araújo Pereira

Austeridade e mariconeras: uma investigação

A austeridade é como aquelas mariconeras de usar à cintura: apareceu pujante e foi moda durante algum tempo, mas a reprovação veemente e o bom senso das pessoas fez com que fosse posta de lado. Claro que, de vez em quando, ainda topamos com alguém que usa mariconera, mas percebemos imediatamente que se trata de uma pessoa cujo sentido estético está ultrapassado. Com a austeridade é a mesma coisa. O FMI, que a defendia, admitiu que estava enganado. O Presidente da República rejeita-a. A oposição condena-a. Metade do Governo abomina-a. Há apenas um resistente, de mariconera à cintura. Infelizmente, é o ministro das Finanças.

Faço aqui uma pausa para acusar o leitor de hipocrisia. Aposto que está a lamentar o tempo que dedica a esta página, e a pensar que devia ter optado por um jornal de economia, por exemplo, em que a situação do País não é descrita com o auxílio da palavra “mariconera”. Pois bem, amigo leitor, é assim que se vê que umas metáforas são filhas e outras são enteadas. Os jornais de economia estão cheios de referências ao cinto dos portugueses, e ao modo como se foi apertando. Depois de anos a aceitar a metáfora do cinto, o leitor rebela-se agora contra um analista que tem o discernimento de registar que a austeridade, nesta altura, não aperta apenas o cinto, apetrecha-o com uma mariconera. É o destino dos visionários: escarnecidos no presente, louvados no futuro, quando todas as análises económicas incluírem uma referência à didáctica mariconera. Avanço suportando o desdém do leitor presente e agradecendo a admiração do leitor futuro, que terá oportunidade de se curvar perante a mariconera na sala de espera de um dentista.

Pessoas como Manuela Ferreira Leite, Ângelo Correia e Bagão Félix, que no seu tempo usaram foleiríssimas mariconeras, repudiam agora a mariconera de Gaspar. Cavaco Silva está tão transtornado com a mariconera que já lhe teceu críticas no Facebook e num jornal espanhol. A paciência do Presidente está a esgotar-se e, se o Governo continuar a irritá-lo, Cavaco pode mesmo perder as estribeiras e cometer a loucura de prestar uma declaração a um jornal português. Ou, Deus nos livre, de fazer alguma coisa. O Governo está a brincar com o fogo. E de mariconera à cintura. É uma combinação muito perigosa.

Ricardo Araújo Pereira
Quinta, 25 de Outubro de 2012 in Visão


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