O retrato sobre a saúde em Portugal que se tornou viral! Vale a pena ler e partilhar!

Milhares de pessoas partilharam, no seu mural do Facebook, as palavras de um anestesista do Funchal sobre o estado da Saúde e do País. “Trabalho 65 horas por semana, ganho menos de metade do que há oito anos.” Ao telefone com a VISÃO, Ricardo Duarte explica porque se diz desmotivado e revoltado.

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Nos comentários, elogiam-lhe a coragem e o brilhantismo do texto. Em 15 pontos, Ricardo Duarte, 38 anos, começa por anunciar que gosta do que faz, ele que possui uma especialidade em anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e ainda competência em Emergência Médica. Mas isto para logo a seguir nos desarmar: “Recebo menos de metade do que quando acabei a especialidade há oito anos.” E continua: “Trabalho 65 horas por semana a uma média de 9 euros por hora.” Foi um dos médicos que esteve de serviço no dia de Natal: acabou insultado pelo familiar de um doente que não concordava com o horário da visita. Em casa, estava o seu filho de 5 anos. Não tem mais nenhum porque não ganha para tanto.

A razão para este desabado, assume Ricardo Duarte, do outro lado do telefone, é fácil de explicar: “Dois dias antes da morte do jovem nas urgências no S. José, fui com o meu filho ao centro de saúde para o vacinar mas não consegui porque não havia vacinas. Ora como é possível que o país se levante quando, pelas mais diversas razões, não se consegue salvar alguém mas ninguém se indigne por não haver prevenção?”

As palavras de Ricardo Duarte são cortantes, as frases terminam invariavelmente com “É um facto”. Não se acanha a apontar o dedo a quem critica de bancada – e isto na sequência dos acontecimentos no Hospital S. José e que levaram à morte de David Duarte, 29 anos, naquele hospital – e logo nos lembra ainda dos mil e um malabarismos que os médicos fazem, todos os dias: “Trabalho num serviço de saúde onde tenho de improvisar a toda a hora porque o fármaco x e y “não há” (Ups… estamos proibidos de dizer que não há!). É um facto. Onde temos vários ventiladores de 30 mil euros avariados (um deles há mais de 1 ano!) porque “ninguém” pagou a manutenção.” E segue: “Vivo numa região em que se gastam muitos milhões em fogo de artifício e marinas abandonadas, sem existir contudo dinheiro para um monitor e um ventilador de transporte para a sala de emergência de um hospital dito central e centro de trauma certificado. É um facto.”

Escrita numa linguagem acessível, não parece ter deixado ninguém indiferente. Ricardo começou por publicar o post no Canal Médicos Unidos, um grupo fechado no Facebook, mas depois, por insistência dos colegas, tornou-o público. “Penso que como não referi aspectos específicos do hospital em que trabalho [no Funchal] mas questões que são transversais a todo o meio médico levou a que muitos se identificassem.”

Falamos de um texto com milhares de partilhas e reações e que anda também a circular por email – um aplauso feito pelos colegas e também pelo diretor do hospital em que trabalha. O médico assume ainda que o enviou para o Bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, para a delegação regional, e ainda para os candidatos a Presidente da República. “Ninguém respondeu.” Ainda assim, Ricardo Duarte não se arrependeu. “Aliviou-me bastante. Mas falta-lhe ter algum tipo de consequências.”

LÊ AQUI O POST NA INTEGRA

“Estou desmotivado… mais! Estou revoltado!
Porquê? Tentando fugir a toda e qualquer subjetividade, vou-me restringir a factos (sem respeitar um acordo ortográfico que assassina a minha língua materna):

1. Tenho 38 anos, sou Médico há 15 anos. Possuo uma especialidade em Anestesiologia, uma subespecialidade em Medicina Intensiva e a competência em Emergência Médica. Gosto do que faço!

2. Recebo menos de metade de quando acabei a especialidade há 8 anos. É um facto. Para receber o meu ordenado base limpo tenho de acrescentar em média 100 horas extras por mês. Trabalho assim 65 horas por semana a uma média de 9 euros por hora. É um facto.

3. Este ano estive de serviço no dia de Natal, o ano passado fiz o 31 de Dezembro. É um facto. Nesse dia de Natal fui insultado pelo familiar de um doente que não concordou com o horário da visita do meu serviço. É um facto. Tenho um filho com 5 anos e não tenho dinheiro para pagar o infantário a um segundo que não tenho. É um facto.

4. Pertenço à minoria de Portugueses que paga impostos, e como sou considerado rico o meu filho paga mais na creche que muitos outros… pelo mesmo serviço, porque não come mais, nem come antes. É um facto.

5. Todos os dias tenho de tomar decisões clínicas que determinam a vida e a morte de pessoas ao meu cuidado. É um facto. Hemorragias aneurismáticas, como as do mediático caso do David, são apenas um exemplo das situações que eu e os meus colegas temos de tratar o melhor que sabemos e podemos. É um facto.

6. Mesmo sendo médico limito-me a comentar profissionalmente situações que são da minha área de diferenciação. A Medicina é tão vasta que se comentar situações ou acontecimentos de outras áreas sei que vai sair asneira. É um facto.

7. Vivo num País em que quem comenta o penalti e o fora de jogo acha que sabe o suficiente para ditar o certo e o errado naquilo que faço todos os dias. Em que aqueles técnicos de ideias gerais, a quem chamamos jornalistas, e os seus amigos comentadores profissionais, se sentem à vontade para “cagar lérias” sobre aquilo que desconhecem e não têm capacidade técnica para apreciar. É um facto. Por mais de 9 euros à hora… Julgo eu, porque nunca me mostraram o recibo de vencimento!

8. Trabalho num serviço de saúde onde tenho de improvisar a toda a hora porque o fármaco x e y “não há” (Ups… estamos proibidos de dizer que não há!). É um facto. Onde temos vários ventiladores de 30 mil euros avariados (um deles há mais de 1 ano!) porque “ninguém” pagou a manutenção. É um facto. Eu levo o meu carro à revisão todos os anos e pago. É um facto.

9. No dia em que o que me pagarem para ir trabalhar não for o suficiente para a despesa da gasolina e do estacionamento ( como concerta acontece com algumas equipas de prevenção específicas do SNS), não o farei. É um facto. Isso não retira qualquer valor ao juramento de Hipócrates, nem a Lei obriga (ainda!) ao trabalho escravo. É um facto.

10. Se eu estiver doente e precisar de assistência prestada pelos meus colegas no SNS tenho de pagar taxa moderadora, ao contrário de muitos outros… É um facto. E se andar de comboio, como não sou trabalhador da CP também pago. É um facto.

11. Eu e os meus colegas trabalhamos mais doentes que muitos doentes que são vistos no serviço de urgência. É um facto. Vivo numa região em que qualquer dor de dentes, grão no olho ou escaldão da praia vai para a urgência do hospital numa ambulância de emergência médica. Muitas vezes com a família no carro imediatamente atrás da ambulância. E sem pagar um tostão. É um facto.

12. No hospital em que trabalho existem mais de 100 camas de agudos ocupadas com as chamadas “altas problemáticas”. Situação que se arrasta há vários anos e legislaturas e cuja resolução (política) escapa aos mais dotados. É um facto.

13. Vivo numa região em que se gastam muitos milhões em fogo de artifício e marinas abandonadas, sem existir contudo dinheiro para um monitor e um ventilador de transporte para a sala de emergência de um hospital dito central e centro de trauma certificado. É um facto.

14. A descoberta das vacinas constitui um dos maiores avanços da Medicina do século XX e a implementação de um plano de vacinação global para a população é um marco histórico de qualquer civilização, contribuindo para a redução da mortalidade infantil e aumento da esperança de vida. É um facto. Vivo num país que já não consegue garantir uma cobertura vacinal completa e atempada às sua crianças. Um retrocesso de gerações… um sistema podre e decadente. Não vejo os noticiários abrirem com esta notícia. É um facto. O meu filho não fez a vacina da difteria, tétano e tosse convulsa aos 5 anos. Não há… Talvez para o ano. É um facto.

15. E por tudo isto estou revoltado… É um facto.
Funchal, penúltimo dia de 2015.
Ricardo Duarte. Cédula da Ordem dos Médicos 41436″

Fonte: visão

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